Chesterton como um filósofo, por Dom Illtyd Trethowan


 

De fato antiquado, pois sátira e estoicismo sempre foram sintomas da decadência senil. Mas mesmo na velhice ele nunca cessou de proclamar o segredo, que o mundo era radiantemente jovem se os homens apenas olhassem. Ele tentou mostrar a uma raça míope a estrela mais brilhante em todo o firmamento, elevada acima de um estábulo que abrigava a Criança sem-teto. Ele gastou sua vida e derramou adiante seu triunfo e música galopante para mostrar aos homens o sol que brilhava acima:

Ó luz elevada de toda sabedoria mortal

Manda de volta um pouco daquele vislumbre de ti

Que de sua glória eu possa acender o brilho

Uma minúscula faísca para todos os homens que hão de existir[1]

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Chesterton como um filósofo

        – O seguinte fragmento de Dom Illtyd Trethowan[2] foi publicado no The Downside Review, vol. LIV (1936), pp. 489-494.

Como as páginas acima mostram, é impossível escrever sobre Chesterton em seu todo sem escrever sobre ele como filósofo, e é apropriado concluir considerando-o formalmente como tal. Para fazê-lo, nós estamos considerando-o no senso mais real como um homem, e é precisamente essa concepção de homem como um filósofo que ele mesmo estava principalmente preocupado em propagar.

Mas será que nosso assunto já nos infectou com paradoxos? É, de fato, essa a mensagem principal de Chesterton – que é a natureza do homem ser filósofo a buscar a sabedoria? Seu alvo não seria maior que esse? É apenas uma confusão da filosofia que cria uma dificuldade aqui. Olhemos de uma forma mais ampla. Chesterton era católico – esse é seu epitáfio; e o mote da Ordem dos Pregadores não é só para eles apenas, mas para os católicos em geral, em consonância com sua medida – contemplari et contemplata aliis tradere.[3]

Chesterton, assim, enquanto penetrou mais profundamente as verdades da fé, tentou com intensidade e fervor abrir a estrada aos outros. Agora, como pareceu a ele, parece a muitos de nós que um obstáculo principal em nosso caminho é a falsa concepção da natureza humana. Se você quiser, é o reverso da medalha, pois o homem não pode conhecer Deus porque não conhece a si mesmo. É ofício do teólogo ensinar os homens sobre Deus, enquanto o trabalho do filósofo é ensinar ao homem sobre o homem. Hoje o teólogo precisa do filósofo; Chesterton respondeu magnificamente essa necessidade. Ele nunca é meramente o animador, artista tampouco. Nunca é meramente o erudito. Seu alvo é sempre dissipar a névoa; deixar em ar fresco o senso comum, restaurar o saudável hábito mental. Sempre ele é o apologeta.

A tarefa do filósofo Católico é muito amplamente negativa – é limpar os destroços das fundações para que a Nova Jerusalém possa erguer-se sobre eles. Chesterton teria gostado de ser chamado de “O gari de Deus”. Mas é apenas por causa de sua humildade que não o chamamos de teólogo. O apologeta, mesmo quando sua preocupação é a filosofia, é formalmente um teólogo, e o pensamento de Chesterton é Tomista, não meramente Aristotélico. Ele sabe que é dever da filosofia levar-nos à teologia, e que a influência diretiva da teologia deveria ser não meramente a checagem externa, mas uma integração e elevação. Sua filosofia, apesar de estar num sentido aquém da filosofia acadêmica (e nesse sentido ele não deve ser chamado de filósofo) está num outro sentido em algo infinitamente maior. Está aquém da filosofia acadêmica em que ele não controla o complicado aparato técnico, não examina a história das ideias com análise de buscas escolares exatas; está além de muitos filósofos profissionais de hoje em dia porque nunca perde de vista os grandes princípios metafísicos que são propriedades comuns da mente dos homens.

Torna-se claro, talvez, porque a grandeza de Chesterton possa propriamente ser descrita como filosófica. Simplicidade e profundidade andam juntas. A substância genuína da verdadeira filosofia – a verdade que importa – precisa para sua percepção de uma ascese que seja menos detalhada, mas ao mesmo tempo mais profunda do que a ascese dos acadêmicos ou cientistas. Mas se os princípios abstratos gerais são simples em si mesmos, fluindo como fazem do princípio da contradição, como eles são frequentemente não reconhecidos? Em parte, porque o poder espiritual da mente é obscurecido pela multiplicidade. Temos que medir as palavras de Nosso Senhor sobre uma ótica única. Na raiz da doença moderna, esta terrível indiferença aos fundamentos, existe uma falta de determinação 5. Essa doença fez de Chesterton um doutor.

Nessa concepção de filosofia como um alimento natural do ser humano, como senso comum se desenvolvendo, não há nada de novo. Não podemos esboçar o desenvolvimento numa página ou duas, ou numa apresentação de Chesterton sobre isso. Uma única fresta de luz sob sua mente deve ser satisfatório. A philosophia perennis é frequentemente comparada a uma montanha que podemos escalar por muitos caminhos. Nossos pensamentos devem nos guiar das coisas criadas para Deus e de Deus para coisas criadas, novamente. Quando tivermos alcançado o topo, apenas teremos que olhar firmemente a vista. Consideremos por um momento o mais direto desses caminhos os quais Chesterton tomou.

O que aqui tocamos é seu objetivismo. Novamente, não achamos nada de novo; mas se deixarmos de ver isso em Chesterton – em toda sua clareza – não compreenderemos totalmente o que nele é essencial. O senso comum, que é a base em seu objetivismo, é tão óbvio que parece dificilmente valer a pena afirmar, mas é necessário. O homem então vem ao mundo possuindo um poder espiritual, a mente. Num sentido, ele é um pedinte, pois a mente faz dele alguém que não nasceu com riquezas. Mas ele é o herdeiro de todas as coisas. Sua mente é capaz de um desenvolvimento ao qual nenhum termo pode ser definido. Essa é a razão da vida ser supremamente uma aventura. Reconhecemos Chesterton nessa palavra “aventura”. Mas por que devemos recordamo-nos especialmente dele? Não seria a vida para todos uma grande aventura? A resposta para essa dificuldade nos mostra o que Chesterton teve que combater. A plausibilidade do subjetivismo reside aqui, pois parece oferecer ao homem um quinhão mais nobre. O homem nasce rico com uma natureza toda sua, com direitos e privilégios que ele tem que reivindicar e usar. Ele encontra dentro de si materiais com os quais ele deve formar seu destino. Ele usa outros (materiais), também, do mundo ao seu redor, mas ele os transforma ao seu próprio molde. Aqui, obviamente, há uma medida da verdade. Mas se deixarmos assim, teremos a filosofia pagã do naturalismo. Fingindo dar ao homem mais, rouba dele sua herança legítima. Erigindo sua própria natureza num absoluto, limita sua própria liberdade. Ornamentando seu próprio orgulho, arrasta-o abaixo da terra e lacra seus olhos contra a visão de sua casa no céu. O papel de Chesterton foi insistir sob um paradoxo fundamental que é unicamente por total sujeição nossa ao objeto, afastando toda paixão e preconceito (aquelas distorções e recusas que sozinhas são nossas exclusividades), que podemos alcançar a nós mesmos. Esse caminho é na verdade a grande autoestrada do Tomismo; guia a uma ética completa, a uma estética completa, a uma completa teoria da vida espiritual.

Objetivamente, então, é a fonte das atitudes características de Chesterton. Daí surge naturalmente aquela sincera aceitação de vida que o trouxe, humanamente falando, à Igreja. Ele era no sentido completo um “yes-man”[4]. Isso nos ajuda a entender mais claramente sua detestação passional por meias verdades, falsidades e hipocrisia. Esse é o significado também de seu otimismo. Se um homem eleva a si mesmo e o seu ambiente a uma recepção intelectual, voltando-se para as coisas, em uma voluntária submissão a tudo que é real, tem que haver um real e ele deve ser bom. Chesterton era inimigo de todos aqueles que nos excluem da plenitude da vida, de uma covardia que nos guia e está guiando ao desespero. Um de seus temas favoritos é que o mundo é um conto de fadas, uma maravilha. Maravilha, ele nos lembra, é a fonte de toda a filosofia; foi a presença disso (maravilha) que fez a força da mente Grega, a ausência disso fez a fraqueza da (mente) moderna. Não podemos nos satisfazer com citações, mas uma parte de Ortodoxia deve ser fornecida aqui:

Aqui reside a perfeição peculiar de tom e verdade dos contos infantis. O cientista diz: “Corte o pedúnculo, e a maçã cairá”; mas diz isso calmamente, como se uma ideia de fato levasse à outra. A bruxa dos contos de fada diz: “Toque a corneta, e o castelo do ogro cairá”; mas ela não diz isso como se fosse alguma coisa em que o efeito obviamente surgisse da causa. Sem dúvida ela já deu esse conselho a muitos heróis e viu muitos castelos caírem, mas ela não perde nem o espanto nem a razão. Sua cabeça não se perturba tentando imaginar uma conexão mental necessária entre uma corneta e a queda de uma torre. Mas os cientistas quebram a cabeça até conseguirem imaginar uma conexão mental necessária entre uma maçã que deixa o galho e uma maçã atingindo o chão. Eles realmente falam como se tivessem descoberto não apenas um conjunto de fatos maravilhosos, mas também uma verdade ligando esses fatos. Falam como se a ligação de duas coisas fisicamente estranhas se conectasse filosoficamente. Sentem que, pelo fato de uma coisa incompreensível sempre vir depois de outra coisa incompreensível, as duas de certo modo constituem uma coisa compreensível. Dois enigmas negros constituem uma resposta branca… Quando nos perguntam por que os ovos se transformam em pássaros ou por que as frutas caem no outono, devemos responder exatamente como a fada madrinha responderia se Cinderela lhe perguntasse por que os ratos se transformaram em cavalos ou por que as roupas dela desapareceram depois da meia-noite. Devemos responder que é MÁGICA. (Ortodoxia, Mundo Cristão, tradução Almiro Piseta, 2008. p. 53,54.)

Nós mencionamos a humildade de Chesterton. A fonte disso também é clara. Como toda verdadeira humildade, é majoritariamente uma coisa escondida, mas quando se revela tem uma beleza rara. Por exemplo, n’A Balada do Cavalo Branco, as palavras de Alfredo a Nossa Senhora:

“Ó Nossa Senhora”, disse o andarilho,

“Eu sou apenas um Rei comum,

Eu não vou pedir o que os santos talvez pedem ver a coisa secreta…”[5]

E é só porque ele bate o grande tambor que ele não toca sua própria trombeta. Talvez não seja fantástico ver o que está escondido em Chesterton e o que está bem acima da superfície, a especial marca de seu gênio pelo qual ele é sempre conhecido e amado – sua alegria. Pois esse grande presente do Inglês (e Chesterton é supremamente inglês) é um tipo de proteção contra a auto-importância (orgulho). Mas em Chesterton há um significado profundo. Às vezes, ele nos lembra de Johnson encostado num poste de luz chacoalhando com aquela inextinguível risada que tanto chocou Boswell. Mas seria melhor pensar que a grande frase de Claudel, le grand rire divin. Pois a alegria de Chesterton não é um berro pela carne ou pela cerveja, mas uma canção dos filhos de Deus gritando de alegria.

Para muitos de nós, quando ouvimos sobre sua morte, um fragmento de sua poesia deve ser lembrado (é o montante de sua filosofia) em que há alegria e paz esplêndida.

“A uma casa aberta a noite,

Ao lar deve o homem vir.” [6]


[1] Estrofe de um poema de G. K. Chesterton chamado “The Beatific Vision” (A Visão Beatífica), de 1915.

O light uplifted from all mortal knowing,

Send back a little of that glimpse of thee,

That of its glory I may kindle glowing

One tiny spark for all men yet to be.

[2] Illtyd Trethowan, (1907-1993), nascido Kenneth Trethowan, foi um monge beneditino inglês, sacerdote católico, filósofo, teólogo e escritor.

[3] “Contemplar e dar aos outros o fruto da contemplação”. Derivada da Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, OP, a frase é frequentemente usada para expressar a distinta teoria dominicana da vocação cristã, e por isso se tornou um lema da Ordem.

[4] Expressão com significados ambíguos. “Yes, man” seria uma pessoa fraca que sempre concorda com seu líder político ou seu superior no trabalho, um lacaio ou bajulador. Mas o autor parece dizer que Chesterton aceitou a verdade católica com docilidade de um servo que não a contesta – ou que passou a não contestar para aprender com ela, no sentido de obediência dada pela confiança no Credo, não de escravidão.

[5] “Mother of God,” the wanderer said,

“I am but a common King.

I will not ask what saints may ask

To see a secret thing . . .”

[6] Parte de um poeta escrito por G. K. Chesterton “The House Of Christmas” (A Casa de Natal).

“To an open house in the evening

Home shall men come . . .”

Tradução por André Garcia

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