O Problema de ser Pragmático, por G. K. Chesterton

G. K. Chesterton


The Illustrated London News, 28 de fevereiro de 1928

É um sinal de senilidade para o homem começar a citar a si mesmo, especialmente quando cita a si mesmo com aprovação. Em minha capacidade de calças largas com chinelos, proponho a elevação de minha voz moribunda para este efeito deplorável e pouco edificante. Torna-se possível para os idosos, pois o incidente aconteceu há tanto tempo que parece ter-se dado com outra pessoa; e um homem vê sua própria figura quase como uma figura na história. O que torna especialmente verdadeiro para vidas como a nossa, que foram divididas pela eternidade apressada da Grande Guerra.[1] Assim como poderia comentar favoravelmente a presunção de um obscuro trovador cavalheiresco ou o epigrama de um negligenciado filósofo do século XVIII, recordo aqui com aprovação a observação de um jornalista felizmente esquecido, que começou a escrever durante os últimos dias da rainha Vitória. A observação retorna-me à minha memória ao contemplar as controvérsias do desaparecimento prático do Protocolo[2] e seu efeito sobre as perspectivas da Liga das Nações. Deus sabe quantos anos antes da Guerra, em um livro ou outro que nunca mais li, lembro-me de comentar: “O que precisamos em tal crise é de um homem pouco prático”.

Homens pragmáticos têm sido responsáveis por praticamente todos os nossos desastres práticos. A eterna demanda por um homem pragmático é uma demanda por algo que tornaria esses desastres ainda mais desastrosos. Há um motivo para isso; mas mesmo ao investigar a razão, já saímos da província do homem pragmático e sofremos seu desprezo e impaciência fáceis. A província deste homem pragmático é, logicamente, um lugar de muita praticidade. Devo dispor-me a dizer que é uma província demasiadamente provinciana. De qualquer maneira, o homem pragmático admite que pouco se importa com as razões: ele afirma frequentemente que se preocupa somente com os resultados. Para começar, este é um procedimento incompetente, pois buscar resultados sem procurar causas é não entender os resultados como resultados, ainda que os tenha obtido. Esta é a tragédia perpétua e lamentável do homem pragmático em assuntos práticos. Ele sempre começa com um floreio de desprezo pelo que chama de teorização ou o que aqueles que podem teorizar chamam de pensamento. Ele não esperará pela lógica – em seu sentido mais estrito –, ele não ouvirá a razão. Portanto, parecerá ao homem pragmático um procedimento ocioso e ineficaz dizer que há uma razão para seu fracasso atual. Entretanto, pode ser bom dizê-lo e tentar deixar claro até mesmo para ele.

O que acontece com o homem pragmático em coisas como a política internacional, é que ele está sempre contente em persuadir um certo número de pessoas de que uma certa coisa pode muito bem ser feita. Às vezes parece mesmo muito prático. Por bem ou por mal (especialmente por mal), ele pode persuadir cinco ou seis tipos de homem totalmente, por exemplo, para construir uma ponte. Um homem quer uma ponte que ligue dois lugares para que os dois tipos de população se tornem vizinhos e amigos. Outro quer uma ponte porque deseja uma cabeça de ponte – isto é, quer uma posição estratégica pela qual possa enviar exércitos para morrerem a ferro e fogo do outro lado dela. Um terceiro homem quer uma ponte pois deseja muito um contrato para que possa construí-la. Um quarto homem, até onde eu sei, quer uma ponte para se sentar sobre ela e pescar no rio; e um quinto homem, para pôr um policial sobre a ponte para impedir que alguém pesque. Mas o homem pragmático é suficientemente feliz, visto que tem o que chama de “consentimento de todas as partes”. Enquanto conseguiu de uma forma ou de outra juntar os nomes, os votos, as assinaturas, os meros assentimentos materiais à mera ação material, ele fez o que descreve como obtenção de resultados. E Deus sabe que ele obtém mesmo os resultados. Ele obtém resultados que nos fazem pensar se o mundo inteiro enlouqueceu. A ponte é aberta em nome da paz e é imediatamente usada para a guerra; é confiada com a vida dos soldados e logo se quebra no meio, porque foi feita sob o interesse dos vigaristas. O policial e o pescador brigam na ponte até que ambos caiam no rio para servir de alimento aos peixes. Uma confusão cobre o mundo como o caos que existia antes da criação do mundo, na qual a ponte permanece como uma espécie de ruína, e nascem gerações cegas que nem sabem que ela nunca foi nada além de uma ruína. Eles nunca ouviram falar da noção teórica abstrata de que é o negócio de uma ponte para outra. Sem nenhuma razão, os dois povos das duas margens se agarrarão aos seus fragmentos quebrados da ponte – exceto pelo motivo de que cada fragmento é um objeto grande, volumoso e sólido; pois todos eles são homens pragmáticos que somente se preocupam com objetos sólidos. Eles chamam isso de praticidade política, ou lidar com a coisa como a encontraram.

Aquela ponte de fraternidade internacional que muitos homens bons quiseram construir entre as nações depois da Grande Guerra foi tratada de tal forma pragmática e ruiu de uma maneira igualmente prática. Ela desmoronou por falta do que os pragmáticos chamam de homem pouco prático – isto é, aquele que se daria ao trabalho de pensar a teoria de toda a questão. A paz tem uma razão, assim como a guerra tem uma razão. Os homens concordam sobre algo, assim como discordam sobre algo; mas é inútil conseguir que homens concordem em fazer algo por uma razão sobre a qual discordam: o seu acordo durará apenas enquanto eles não souberem qual será o efeito real do acordo. Se eles diferirem sobre os motivos, discordarão sobre os resultados logo que houver algum. Enquanto os homens duvidarem sobre o jeito como a Liga das Nações será usada, todos concordarão em chamá-la de útil. De repente, eles deixarão de chamá-la de útil no primeiro dia em que for usado.

Eu estava de prontidão para acreditar em uma Liga das Nações; mas supus, no meu vago modo teórico, que era uma Liga das Nações, e uma Liga das Nações significa uma Liga de Nacionalistas. Significa que a Europa aceita em definitivo o ideal de independência nacional e autoridade nacional, e depois tenta fazer um verdadeiro acordo ou contrato entre indivíduos independentes, com o objetivo de diminuir as ocasiões de guerra e purificar os métodos de guerra. Outras pessoas têm teorias bem diferentes das relações corretas das províncias da civilização. O Sr. H. G. Wells acredita em um Estado Mundial ao qual nosso serviço patriótico direto deve ser devido. Os bolcheviques acreditam em uma divisão não entre as nações, mas entre as classes – isto é, eles acreditam não apenas em um Estado Mundial, mas em uma Revolução Mundial. Algumas pessoas, pelo que sei, acreditam em unidades sociais muito menores do que as nações; alguns certamente tinham essa opinião sobre aquelas cidades italianas que eram as famosas repúblicas da Idade Média. Pessoalmente, acho essa visão muito mais humana e sensata do que o Estado Mundial de Wells ou a Revolução Mundial de Trotsky. Mas eu não me oponho a Wells e Trotsky por terem teorias sobre a Europa diferentes das minhas, oponho-me a que suas duas teorias incompatíveis estejam irremediavelmente enroscadas com a minha; e toda essa confusão sem sentido seja descrita como a política de um homem pragmático. No caso do Protocolo, os internacionalistas tentaram usar a Liga das Nações como se toda a sua teoria fosse o inverso da nacional; como se não fosse apenas internacional, porém antinacional. O resultado foi que esta ponte em particular foi completamente quebrada de forma mais clara. Mas o próprio fato de que alguma vez se pensou possível que ela fosse levantada é um exemplo impressionante da tolice que recai sobre aqueles que pensam que as teorias não importam.

Foi através desta noção comercialista que surgiu o pensamento de que os resultados foram obtidos quando as pessoas são persuadidas a se sentarem em volta de uma mesa e a se chamarem por um título. Provavelmente haverá o mesmo problema em qualquer discussão sobre armamentos em caso de ser o que as pessoas chamam de “discussão prática”. Devemos ter um princípio comum; deveria ser uma religião, mas precisa ao menos ser uma ideia e não ser um lugar-comum. E acima de tudo, não deve estar nas mãos de um homem tão pouco prático como um político pragmático.

Traduzido por João Medeiros.


[1] A Grande Guerra ocorrida entre 1914 e 1919, também conhecida como Primeira Guerra Mundial, foi a primeira das duas Grandes Guerras ocorridas no século XX. Até então, foi o maior e mais sangrento conflito bélico da história humana, mudando irremediavelmente a configuração global e, principalmente, a configuração europeia, sendo marcada pelo fim da grande maioria das monarquias; seria superada em mortes somente pela Segunda Guerra Mundial décadas depois.

[2] Chesterton faz referência ao Protocolo de Genebra de 1924, oficialmente “Protocolo de Genebra para a Resolução Pacífica de Disputas Internacionais”. O protocolo foi apresentado à Liga das Nações conjuntamente pelo premiê britânico Ramsay MacDonald e pelo premiê francês Édouard Herriot, mas nunca entrou realmente em prática devido ao medo de conflitos com os Estados Unidos.

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