Se Cristo viesse, por G. K. Chesterton



Good Housekeeping, abril de 1932

Caso eu tenha de responder à pergunta: “Como Cristo resolveria os problemas modernos se Ele estivesse na terra hoje?”, devo responder com clareza; e para aqueles de minha fé, há apenas uma resposta. Cristo está na terra hoje, vivo em milhares de altares; e Ele resolve os problemas das pessoas exatamente como fazia quando estava na terra, no sentido mais comum. Ou seja, Ele resolve os problemas do número limitado de pessoas que escolhem ouvi-Lo voluntariamente. Ele não apareceu como um sultão oriental ou um conquistador romano; e Ele não iria aparecer como um policial ou um agente da Lei Seca[1] agora. A partir disso, temo que muitos deduzirão que quero dizer uma de duas coisas: (1) que Cristo lida apenas com o indivíduo e “apoliticamente”, afetando a comunidade; (2) que eu me escondo atrás da evasão banal e cansativa de que Jesus de Nazaré tinha belos ideais sociais que morreram com Ele; e que “a Igreja” esqueceu, perverteu ou inverteu. Eu aceito o desafio; e eu contradigo categoricamente ambas as visões. Eu digo, e quero dizer, que a Igreja Católica continua aconselhando os homens como Jesus aconselhou os homens. E que houve um colapso do Capitalismo porque eles não deram ouvidos ao Catolicismo; exatamente como houve uma queda de Jerusalém porque não quiseram ouvir a Jesus.

Estou preparado para basear essa afirmação definitiva em fatos sólidos. Há quarenta anos, quando eu era um menino, nossa civilização industrial atual estava no seu pior, porque era para estar no seu melhor. Parlamentos, partidos, jornais e opiniões públicas eficazes elogiavam a prosperidade do sistema; as empresas ficaram cada vez maiores; pequenos proprietários foram comprados ou atrofiados; todo o capital estava sendo concentrado no capitalista, e a única crítica inteligente veio de um pequeno punhado de socialistas, que queria centralizá-lo ainda mais no Estado. Foi nessa época que o chefe da Igreja Católica, a quem chamamos de Vigário de Cristo[2], enviou uma proclamação comumente chamada de Rerum Novarum, onde afirmou três coisas: (1) que a concentração de riqueza existente no capitalista “colocou sobre os milhões de trabalhadores um jugo um pouco melhor do que a escravidão”; (2) que não devemos escapar disso pela maior concentração do comunismo, que nega até mesmo as formas naturais de propriedade, liberdade e casa; (3) Que, embora os assalariados tenham o direito de se reunir e até de fazer greve, sob certas condições de justiça, seria melhor se “os pobres, tanto quanto possível, se tornassem proprietários”; isto é, pequenos capitalistas ou possuidores dos meios de produção. Este não é um antigo texto grego dos Sinóticos[3]; nem é um conselho puramente teológico dirigido à alma isolada. É um contorno perfeitamente claro de um curso geral de ação; e não havia nada de errado com isso, exceto que ninguém agiu sobre isso.

Agora, é claro, não era muito provável que o mundo inteiro girasse de repente, invertendo seu curso, como a uma palavra de comando, e imediatamente começasse a agir de acordo com ela. Não era muito provável que todos os modernos milhões de puritanos e pagãos, agnósticos e anticlericais, para não falar dos católicos fracos e mundanos, obedeceriam repentinamente àquele toque de trombeta como soldados. Eles dificilmente começariam instantaneamente a desenrolar a bobina dos conglomerados, a dividir a propriedade privada entre os pobres, a persuadir cada milionário a dividir seus milhões em fortunas independentes para estranhos. E não era muito provável, à primeira vista, que o sumo sacerdote de Jerusalém e o Procurator[4] da Judeia aceitariam imediatamente o conselho de um camponês de Nazaré montado em um jumento. Mas era um bom conselho e parecia ainda melhor quarenta anos depois.

Agora, sustentarei sem hesitação que, se o mundo moderno tivesse seguido o conselho do Papa até quarenta anos atrás, tivesse realmente feito um violento esforço para descentralizar o capitalismo sem aceitar o comunismo; para tornar a propriedade total mais do que uma coisa comum para as pessoas comuns, não nos encontraríamos na terrível confusão em que estamos no momento. Devemos ter uma condição de propriedade decente e digna, que os cristãos possam realmente defender contra os comunistas. Depois de seguir o nosso próprio caminho pagão horrível, temos agora que defender algo quase indefensável; só porque o remédio é ainda pior que a doença.

Portanto, eu respondo, o que imagino que poucos simpósios responderão, que Cristo diria divinamente exatamente o que a Igreja de Cristo diz por meio de bocas humanas e, portanto, apenas humanamente. Que os Dez Mandamentos estão certos, embora quase sempre os apliquemos de maneira errada; que não devemos cobiçar o boi do nosso próximo, mas que ele deve ter um boi. E qual de nós tem um vizinho que tem um boi? O boi é um meio de produção, e a maioria deles foi comprado pelo conglomerado de carne. A Igreja histórica, de fato, advertiu frequentemente o mundo; só que o mundo esqueceu o aviso até que mais uma vez encontrou o perigo. Por exemplo, metade de nosso emaranhado de finanças artificiais teria sido eliminado, se as velhas ordens católicas contra a usura tivessem sido mantidas afiadas desde o início.

Eu desafio qualquer um a mostrar que Cristo ou a Cristandade falharam; exceto no sentido de que tudo mais falhou, logo que falhou em seguir o conselho deles. Se Nosso Senhor pudesse dá-los novamente em pessoa, certamente seria mil vezes mais impressionante. Mas mesmo quando Ele fez, não foi inteiramente bem recebido.

Tradução de João Medeiros.


[1] Entre 1920 e 1933, vigorou nos Estados Unidos a Lei Volstead ou Lei Seca, que proibia a produção, importação, transporte e venda de bebidas alcoólicas em todo o país.

[2] Um dos títulos do Papa de acordo com a delegação dada por Nosso Senhor Jesus Cristo a São Pedro, primeiro Papa católico, do poder das chaves e o mandato para apascentar suas ovelhas.

[3] Os chamados Evangelhos Sinóticos são compostos pelos Evangelhos de São Mateus, São Marcos e São Lucas, por sua base de escrita e estrutura semelhante entre si, com distinções mais significativas do Evangelho de São João. ‘Sinótico’ deriva do grego ‘synopsis’, que significa “olhar unitário”, apontando assim certa unidade e semelhança que há entre esses três Evangelhos.

[4] ‘Procurator’, latim para ‘procurador’; título dado aos administradores financeiros e aos governadores provinciais do Império Romano.

2 Comentários

  1. Comparando com a versão em inglês pelo site Crisis Magazine, existe uma parte faltando no primeiro parágrafo:

    "I accept the challenge; and I flatly contradict both these views. I say, and I mean to say, that the Catholic Church continues to advise men as Jesus advised men. And that there has been a collapse of Capitalism because it would not listen to Catholicism; exactly as there was a fall of Jerusalem because it would not listen to Jesus."

    Link: https://www.crisismagazine.com/1984/our-tradition-if-christ-should-come

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    1. Corrigido, amigo. Muito obrigado pelo aviso.

      Abraço.

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