A Monotonia das Novas Religiões, por G. K. Chesterton

 The New York Times, 25 de agosto de 1912

Os antigos credos dogmáticos ao menos continham paradoxos, já os novos, nada, exceto por banalidades.

    É UMA característica peculiar da modernidade sempre ocorrer nas igrejas mais novas e grosseiras de alguém ouvir os sentimentos mais bolorentos. As antigas religiões ao menos são paradoxais; as novas religiões parecem consistir apenas em banalidades. Mesmo quando as verdades que elas pregam são importantes (como, por exemplo, a irmandade dos homens), elas são verdades que deveriam ser fundadas como primeiros princípios ao invés de serem perpetuamente desenterradas como redescobertas. As antigas religiões especiais e dogmáticas – quer acreditemos em uma ou em nenhuma delas – consagram certas teorias morais realmente interessantes e certas decisões históricas realmente importantes. O Islã foi inteiramente contra o vinho; os Quakers decidiram-se inteiramente contrários à guerra; esses são desafios que sempre irão interessar e talvez perturbar ou atrair. Vá à uma sinagoga judia e você ouvirá razões convincentes e únicas a instar contra o casamento entre judeus e gentios. Vá à uma pequena igreja católica e você ouvirá um padre pequeno e sem importância expor algumas distinções verdadeiramente lógicas entre homens e animais, ou entre um tipo de embriaguez e outro. A metafísica budista e a teologia swedenborgiana são coisas realmente interessantes. Homens estudaram um problema complexo e chegaram a certas conclusões importantes, e eles oferecem essas conclusões ao mundo. E quer eu goste delas, como gosto do Catolicismo, ou deteste-as, como detesto o Budismo, eu deveria sempre pensar que são dignas de serem ouvidas. Eu gosto de ouvir um ministro calvinista escocês da velha guarda a ingenuamente explicar o texto de que “Deus é amor”. Ele pode estar endurecendo seu coração, mas pelo menos não amolece sua cabeça: sustentando uma certa visão, ele tem a coragem para enfrentar suas consequências. Todas essas doutrinas especiais são, no mínimo, os resultados de alguma forma de pensamento; e mesmo onde elas devem ser denunciadas como erros fatais, algumas vezes elas irão servir à verdade por comparação. Teologias verdadeiras são as mais nobres inspirações, pelo menos interessantes e, na pior das hipóteses, divertidas. Mas as Novas Religiões! As Comunhões Universais! As Verdadeiras Irmandades cristãs! Ó deuses da sonolência e do submundo! Ó sono, tão gentil e amado do norte ao sul, à deusa velada das Novas Religiões o louvor seja dado; ela enviou do paraíso o gentil sono que deslizou em minha alma. “Uma fé mais elevada e verdadeira, livre do dogma e do sacerdotalismo, fundada não sobre credos e fórmulas, mas sobre o espírito do amor e verdade; fé na unidade universal, espiritual, eterna e fundamental de todo e cada um; fé que você, eu, eles e todas as coisas não estão separadas, não são solitárias, não são itens desconectados e indivíduos desunidos, mas um no amor, um na pureza, um na irmandade, um na busca da verdade, um na verdadeira comunhão social, um acima de todo serviço, um naquele esforço ascendente em tudo o que...”, e assim vai, por horas e horas. Os sacerdotes desses templos deveriam usar toucas de dormir ao invés de mitras, e colocar candeeiros de quarto como luzes de altar. Depois de meia-hora de uma nova religião em uma pequenina capela, sinto-me inclinado, como o homem da história, a colocar minhas botas para fora do banco, para que elas possam ser limpas pela manhã.

        As Novas Religiões professam serem novas, mas elas nunca se aventuram realmente além das máximas mais antigas e gerais sobre a unidade de Deus e da comunhão da humanidade. Elas professam serem ousadas e inovadoras; mas em verdade, são muito tímidas para confiarem em si mesmas além das crendices de suas avós. Elas professam serem céticas e questionadoras; mas, na verdade, nunca se aventuram a perguntar sobre as questões controversas, das questões sobre as quais os homens têm discordado e podem discordar novamente – pode o suicídio ser nobre? O sexo pode ser anormal? A vontade é livre? Pode a alma ser perdida? Elas seguem em tudo a linha da menor resistência e estão tão ansiosas para evitar uma cena quanto um anfitrião político esnobe. Que qualquer pessoa deve realmente preferir uma coisa a outra, que qualquer um deve pensar que se uma solução está correta, a outra solução está errada. Dizer “eu me arrependo da Reforma [Protestante]” ou “eu não gosto da Ciência Cristã” parece, para elas, como um convidado a criticar o vinho e amaldiçoar os servos, e elas terminam onde o bom gosto sempre termina, em um literal dessabor.

        A situação é, dentre outras coisas, uma homenagem curiosa e indireta à mudança orgânica realizada no homem pelo Cristianismo. Pois os antigos pagãos, que viveram antes dessa mudança, conseguiram ter um número de pequenas religiões locais que não eram enfadonhas, mesmo que fossem diabólicas. Mas eles não adoravam a Unidade ou o Tudo, o cansativo deus dos panteístas que aparece em tudo, como um esnobe em festas de jardim. Eles adoravam um objeto de algum tipo: um rio ou uma estátua, uma estrela ou algum tipo de inseto horrível. Eles mostraram seu bom senso; pois se você começar neste fim, realmente encontrará um certo fluxo de ideias e imagens a vir do objeto especial sobre o qual você pôs os seus pensamentos. Um rio sagrado irá santificar os campos por onde flui, os moinhos que gira encontrarão moagem alegremente, e aquele que constrói pontes sobre ele será o Pontifex Maximus[1]. Uma imagem sacra terá uma cidade real construída ao seu redor, vibrando com martelos e blindada por muralhas. A estrela guiará pescadores e lavradores, tal como poetas e astrônomos. O inseto estará em casa tanto no templo como no laboratório. Quando os homens adoram o sol, eles produzem algo: deuses com arcos de ouro e épicas matanças de cobras, e cura. Quando os homens adoram a lua, eles produzem algo: virgens com arcos de prata e contos de fadas obscuros de Endimião[2]. Mas quando os homens adoram o Tudo, eles produzem o Nada – o Nada que eu ouvi por horas dos púlpitos e palanques das Novas Religiões.

        Esta idolatria nova e infantil dos antigos tornou-se muito difícil para nós. É verdadeiramente difícil para um funcionário honesto em Battersea adorar o Tâmisa sem constrangimento. Eu soube de alguns casos de senhoras e cavalheiros prósperos, mesmo em um lugar tão leal como Kensington, sendo encontrados de joelhos diante do Albert Memorial[3]. Nós contamos as estrelas, mas não podemos adorá-las; nós coletamos os insetos, mas dificilmente podemos amá-los. De forma simples, eu recuso admitir que o passado está morto. Acredito que nós podemos e devemos reestabelecer qualquer sistema moral ou social que realmente desejamos. Mas neste caso, pode ser duvidoso se algum dia já desejamos a luz do politeísmo pagão, com todas as limitações que ele implique. O cavalheiro de Kensington é prevenido, creio, de ajoelhar-se diante do Albert Memorial por duas qualidades ou elementos profundamente cristãos. O primeiro é uma certa forma de humor que é semelhante ao misticismo e à psicologia mais emocional e mista da vida cristã. O segundo é a sede cristã pela realidade, pelo segredo último do universo; o cristão não pode verdadeiramente acreditar que o Príncipe Alberto é um deus, e ele perdeu a faculdade de brincar de acreditar nisso. A sensação de incongruência interna e essa sede pela verdade são qualidades nobres; e eu não penso que nós deveríamos livrarmo-nos delas para comprar os altares variados e as danças espontâneas dos pagãos.

        Portanto, desde que a Europa se tornou Cristandade e decidiu levar a sério sua teoria cósmica, tem existido duas atitudes entre os europeus. Fortes mentes criativas lidaram com a natureza e a moralidade e forçaram-nas a render alguns resultados tangíveis – isto é, eles buscaram o que é chamado dogma. Eles lidaram com matérias disputáveis, sexo e suicídio e pobreza e escravidão, e produziram definições claras sobre elas, certas ou erradas. Eles carregaram os grandes lugares-comum éticos com o qual haviam corajosamente começado em todas as complicações da realidade. Eles cometeram aquele ato audacioso do qual o genial aristocrata, Lord Melbourne, reclamou dizendo: “Ninguém tem mais respeito pela religião cristã do que eu tenho; mas quando se trata de sua intervenção na vida privada!”. Eles criaram a grande e humana ciência da casuística. Eles realmente tentaram encontrar uma resposta para cada enigma, martelar uma chave para cada fechadura; mas de tempos em tempos, essa incessante e criativa violência torna-se demasiada para pessoas menos esclarecidas: são ensurdecidas pelos dogmatistas como se fossem marteladas por um ferreiro inábil; elas pedem por uma trégua de discussões e definições, e, em alguma época de fadiga, conseguem-na. Então, no silêncio que se lhe segue, algum velho idiota é ouvido a murmurar, enquanto dorme, as verdades infantis e óbvias com as quais todos começaram: de que há somente um mundo e de que os homens deveriam amar uns aos outros. E é bem verdade: mas ele geralmente repete-o novecentas e noventa e nove vezes. Quando houver dito pela milésima vez, chama-se uma Nova Religião.

Tradução por João Medeiros.


[1] O Pontífice Máximo era sacerdote supremo do Colégio de Pontífices da religião pagã romana; inicialmente um posto religioso na República, passou a ser um dos títulos utilizados pelo imperador romano a partir de Augusto. Chesterton faz um trocadilho com o fato de Pontifex Maximus significar, literalmente, Supremo Construtor de Pontes.

[2] Endimião, personagem da mitologia grega, do mito de Selene e Endimião.

[3] Monumento situado em Kensington Gardens, um dos Parques Reais de Londres, encomendado pela Rainha Victória em memória de seu falecido marido, o consorte Príncipe Alberto de Saxe-Coburgo e Gota.

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