Como não me tornei um Conservador, por Thomas Storck


 The Distributist Review, 07 de Dezembro de 2021

Há algum tempo, vi uma descrição divertida da reunião conhecida como Philadelphia Society, um encontro que acontece todos os anos na cidade da Pensilvânia. O escritor o chamou de um lugar para qualquer um que se considera um conservador, desde aqueles que querem vender parques públicos pelo maior lance, até aqueles que anseiam pela restauração da monarquia dos Habsburgos. Mas eu tenho uma dúvida sobre isso: o que une todos que compareceram a esta reunião? Obviamente isso pode ser uma hostilidade contra aqueles que chamam a si mesmos de esquerdistas. Afinal de contas, não são os esquerdistas aqueles que são a favor do aborto, das uniões de mesmo sexos, de um governo que cresce anualmente como um câncer? Talvez, mas alguns libertários (que também compareceram à reunião da Sociedade) nada tem contra o aborto ou as uniões de mesmo sexo, e alguns daqueles que chamam a si mesmos de esquerdistas têm posições similares ou idênticas a alguns participantes da Philadelphia Society, e.g., sobre a invasão americana ao Iraque ou a necessidade de algum tipo de restrição à atividade econômica para orientá-la para o bem-comum. Esses tipos de reflexões produzem em mim uma conclusão: o termo “conservador” é tão sem sentido que faríamos bem em abandoná-lo completamente. Não é uma abreviação para simplificar nossos pensamentos, mas um modo certo de confundi-los.

Permita-me abordar certa história pessoal aqui, não porque eu suponho que minha vida será de interesse especial para muitos, mas porque acho que eu posso ilustrar minhas objeções ao termo “conservador“ melhor desta maneira. Eu cresci em uma família que poderia ser chamada de moderadamente liberal politicamente e com poucas ou nenhuma crença religiosa, embora fôssemos geralmente frequentadores fiéis da igreja, frequentando uma sucessão de igrejas Protestantes até acabarmos na Igreja Episcopal quando eu tinha dez ou onze anos de idade. Mas meus pais não esperavam que eu realmente acreditasse em qualquer coisa que a Igreja Episcopal acreditasse, nem que considerasse seus serviços como algo mais do que uma mistura de bom gosto pela música e bela prosa do século XVI. No final da década de 60, em meus últimos dois anos da escola, eu vim a ser influenciado por duas coisas mais ou menos ao mesmo tempo, o Cristianismo histórico e o movimento contracultural da década de 60. Do Cristianismo histórico, de autores como C. S. Lewis, Ronald Knox, Newman e Chesterton, eu vim a reconhecer a existência de Deus e o valor da verdade objetiva, do fato de que a fé Cristã era algo transmitida desde os Apóstolos, e não inventada por cada geração, e a primazia do espiritual na vida humana pessoal e na vida social. Da contracultura peguei de fato um emaranhado de ideias, algumas certas, outras perversas. As ideias corretas incluíam uma contundente crítica ao materialismo burguês e um interesse com o ambiente natural, o que não me parecia muito diferente de muitas das coisas que Chesterton e Belloc diziam. Claro que as ideias erradas que eu peguei da contracultura, sobretudo sobre a autoridade e os usos do prazer, tiveram de ser rejeitadas, pois pude ver sua incompatibilidade com minha nova fé religiosa. Antes mesmo dessa época eu estava muito interessado em questões socioeconômicas, e depois de ter lido Religion and the Rise of Capitalism, de Richard Tawney, eu vi que a Igreja Católica tinha uma consistente e antiga visão sobre as questões de moralidade econômica. Assim, comecei a me afastar das posições convencionais e levemente estatistas que eu tinha até então. Mas eu também vi que a visão histórica da Igreja tinha alguma sobreposição com o ponto de vista do esquerdismo convencional e da Nova Esquerda. De qualquer forma, de certa forma não correspondia bem ao ponto de vista dos conservadores de Goldwater com seu individualismo e exaltação da liberdade econômica. Na década de 70 eu descobri as encíclicas sociais papais e finalmente entrei na Igreja Católica no começo de 1978.

Uma questão com a qual tive que lidar durante este tempo foi essa: eu era um conservador? Eu certamente sabia que eu não era nenhum tipo de esquerdista. Mas eu era um conservador? Eu me opus ao aborto, à Emenda dos Direitos Iguais, ao nascente movimento homossexual, mas também ao capitalismo, à noção de que o governo deve ser reduzido ao menor tamanho possível, ao materialismo que permeia a vida americana. Lembro que na eleição de 1976 houve alguma tentativa por parte dos comentaristas de distinguir conservadorismo econômico e social, e de fato Jimmy Carter concorreu como presidente se dizendo um conservador social e um liberal econômico, embora a conduta de sua administração tenha fornecido poucas evidências de qualquer forte compromisso com o conservadorismo social. De qualquer forma, essa distinção foi logo esquecida e durante os anos de Reagan, os conservadores sociais pareciam felizes em se conformar com todos os pontos da agenda conservadora. Em 1976, como parte de um programa de pós-bacharelado, fiz um estudo sobre o conservadorismo americano, descobrindo não apenas os bem conhecidos autores como Russel Kirk, mas também amplamente desconhecidos também, como George Fitzhugh, o amargo crítico sulista do capitalismo e defensor da escravidão, e Ralph Adams Cram, arquiteto e teórico social, autor do incrível pequeno livro sobre as cidades medievais, Walled Towns. Mas acabei concluindo que eu não era, como essa palavra era usada hoje nos Estados Unidos, um conservador. E embora muito tenha acontecido nos trinta anos seguintes, incluindo o surgimento do neo-conservadorismo e do “paleo-conservadorismo”, eu ainda sigo esse julgamento. Minhas razões para isso mostrarão por que considero o termo inútil e confuso.

Primeiro, vi que, apesar do que alguns escritores possam afirmar sobre o que o conservadorismo “verdadeiro” ou “real” era ou deveria ser, na mente popular o conservadorismo estava inextricavelmente ligado a uma filosofia econômica que eu sabia ser na verdade uma forma de liberalismo, algo que os defensores do livre-mercado, como Milton Friedman, sempre afirmaram. Um sistema econômico que não tem nenhum cuidado explícito com o bem comum é simplesmente parte da revolta contra a civilização Cristã que começou no século XVI, uma revolta contra a moralidade econômica da Idade Média. Uma vez que eu estava começando a escrever e publicar nessa época, não queria ter o fardo não apenas de explicar o que era uma visão cultural e social católica tradicional, mas de explicar ou descartar o rótulo de “conservador”. Embora eu tivesse alguma sobreposição acidental de políticas com aqueles que se chamavam conservadores, eu tinha o mesmo com os esquerdistas, e não via nenhuma filosofia subjacente comum que me unisse a qualquer um deles. Em segundo lugar, eu não entendia a utilidade descritiva do termo. Certamente eu não queria conservar a ordem atual, na verdade, eu queria mudá-la radicalmente. É verdade que eu queria restaurar muitas das instituições sociais e culturais da civilização Ocidental tradicional, mas isso não era matéria de conservação, mas de restauração. Além disso, parecia que os Católicos precisavam de um programa positivo, isto é, defender uma ideia positiva, e não simplesmente usar slogans que implicam que queríamos que as coisas permanecessem as mesmas. Por fim, se considerarmos as várias pessoas agrupadas como conservadores, o termo não faz sentido. Se o General Franco, por exemplo, cujo regime certamente não era ideologicamente cometido com a economia de livre-mercado, é um conservador, como poderia Ronald Reagan ser também? Na melhor das hipóteses, o termo é útil apenas no contexto de um país e de um período limitado, caso aqueles que defenderam o stalinismo na década de 1950 na União Soviética seriam corretamente chamados de conservadores.

O movimento conservador americano pós-Segunda Guerra Mundial parecia meramente um amontoado de movimentos com ideias conflitantes, defensores do livre-mercado, pessoas que viam a oposição de Edmund Burke à Revolução Francesa como a essência do conservadorismo, aqueles que olhavam para os teóricos continentais, como De Maistre, todos unidos aparentemente pelas suas oposições ao Comunismo e ao estatismo moderado que Franklin Roosevelt introduziu aqui nos Estados Unidos. As divisões, compromissos e estranhas alianças que caracterizavam o movimento não me atraíam em nada. E sobre tudo isso geralmente pairava uma hostilidade à ação do Estado na esfera econômica que muitas vezes não concordava com os ensinos dos Papas em suas encíclicas sociais. Então, por muitos anos, recusei a me identificar como um conservador ou de me colocar no suposto espectro esquerda/direita. Uns poucos cientistas políticos têm sugerido uma divisão mais sofiticada, com um esquema quádruplo de libertários (pouca ou nenhuma ação do Estado em questões econômicas ou familiares); conservadores (intervenção do Estado em questões familiares, mas não na economia); esquerdistas (regulação estatal da economia, mas não das questões familiares); e tradicionalistas (intervenção do Estado em ambas as áreas). Esta é certamente uma maneira superior de ver o assunto, mas não tenho certeza se é completamente adequada. Pois me parece que há aqui questões fundamentais que remontam a questões sobre a origem e a finalidade do Estado que esta divisão não trata. Por exemplo, todos os discípulos de John Locke (o que inclui quase todos os pensadores políticos americanos) consideram o Estado como tendo surgido de um contrato social (real ou simulado) e limitado em seus propósitos à vida exterior do homem, principalmente sua liberdade e propriedade. Mas para os antigos e especialmente para a tradição Católica, o Estado é uma instituição natural e tem uma espécie de cuidado para com o desenvolvimento moral do homem, com a virtude. Assim, acho provável que, antes que alguém possa começar a comparar filosofias políticas, deve, antes, situá-las dentro de suas amplas tradições intelectuais. Uma genuína filosofia política católica não está nem à esquerda nem à direita de qualquer posição lockeana. Elas são incomensuráveis. Quanto mais cedo os católicos perceberem isto, mais cedo nos livrarmos de associações, tanto intelectuais quanto práticas, com filosofias estranhas.

Embora atualmente não haja possibilidade nos Estados Unidos de uma genuína política Católica, há sempre a possibilidade para o pensamento católico correto, para a exposição da verdade, para o armazenamento cuidadoso do que pode ser usado pelas gerações futuras. A nossa tarefa (exceto em algumas áreas estreitas, como o aborto) parece-me ser menos de ação do que de contemplação, uma contemplação das fontes sempre seguras da tradição Católica. É uma conversão de coração, tanto do nosso próprio coração quanto do de nossos compatriotas. Pois, a longo prazo, a única esperança para uma política católica é um povo católico e uma nação católica. E se isso parece improvável, então certamente uma política católica é ainda mais improvável.


Sobre o autor: Thomas Storck ficou intrigado com o pensamento social católico desde que leu pela primeira vez, no ensino médio, o livro de Richard Tawney, Religion and the Rise of Capitalism. Este livro iniciou um interesse ao longo da vida nos ensinamentos sociais da Igreja Católica.

    O Sr. Storck foi recebido na Igreja em 1978 e em 1983 começou a escrever regularmente sobre doutrina social católica, cultura católica e outros tópicos teológicos e filosóficos. Ele é autor de sete livros, The Catholic Milieu (Christendom Press, 1987), Foundations of a Catholic Political Order (Four Faces Press, 1998, agora disponível neste site), Christendom and the West (Four Faces Press, 2000), From Christendom to Americanism and Beyond (Angelico Press, 2015), An Economics of Justice and Charity (Angelico Press, 2017), Theology: Mythos or Logos? (co-autoria com John Médaille), 2020 e Seeing the World with Catholic Eyes (Arouca Press 2010). É também tradutor de Liberalism, a Critique of Its Basic Principles, de Louis Cardinal Billot (Arouca Press, 2019), e editor de The Glory of the Cosmos (Arouca Press, 2020).

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