O Reinado social de Jesus Cristo de acordo com o Cardeal Pie de Poitiers - Introdução

 

O texto abaixo é um excerto do livro La royauté sociale de N. S. Jésus Christ d'après le cardinal Pie, escrito originalmente pelo padre Théotime de St-Just. As notas do texto original foram tranpostas para o meio do texto e estão entre chaves. Informações adicionais estão entre colchetes.


INTRODUÇÃO

POR QUE ESTE ESTUDO? - SUA IMPORTÂNCIA PARA O MUNDO E PARA A FRANÇA. - SUA ATUALIDADE. POR QUE DE ACORDO COM O CARDEAL PIE? A NATUREZA DESTE TRABALHO E O MÉTODO SEGUIDO. - PLANO GERAL.

Nosso Senhor Jesus Cristo veio a esta terra para santificar almas, mas Ele também desceu para impor Sua vontade às instituições sociais, aos códigos civis, às assembleias, aos próprios soberanos e, assim, tornar-se o supremo Rei das nações e dos povos?

Esta é a questão que nos ocupará e, para responder com precisão e plenitude, basta apresentarmos o ensino do Cardeal Pie sobre o Reinado de Cristo.

Por que, então, esse assunto e por que recorrer à doutrina do Bispo de Poitiers?

Não há questão mais importante do que a do Reinado social de Cristo. É para o mundo uma questão de vida e morte. Os povos acabaram de suportar a guerra mais terrível que já conheceram [Primeira Guerra Mundial] e ainda estão todos abalados. Com angústia, buscam uma paz duradoura com respeito aos direitos de todos, nos lugares em que as nações se reúnem como uma única família. Esta paz tão apaixonadamente perseguida, nem armamentos, nem os múltiplos recursos da diplomacia, nem conferências internacionais, nem as decisões da suprema Sociedade das Nações são capazes de dá-la ao mundo. Apenas o reconhecimento oficial por todos os povos do pacífico Reinado de Cristo pode garanti-la.

Bento XV declarou firmemente: "é o ateísmo legal que erigiu um sistema sobre a civilização que mergulhou o mundo em um dilúvio de sangue." {"L'ateismo eretto a sistema di pretesa civilta ha piombato il mondo in un mare di sangue." Bento XV, "Alocução ao Sagrado Colégio", Natal de 1917.}

{[Désiré Joseph] Cardeal Mercier ecoou a expressão pontifícia, escrevendo em sua Pastoral de 1918: "O principal crime que o mundo exala neste momento é a apostasia oficial dos Estados. Hoje, os homens investidos com a missão de governar os povos são, ou parecem ser, com pouquíssimas exceções, oficialmente indiferentes a Deus e a Seu Cristo... Não hesito em proclamar que é essa indiferença religiosa, que coloca em pé de igualdade a religião de origem divina e a religião de invenção humana. Incluí-las todas no mesmo ceticismo, é a blasfêmia que, mais do que as falhas de indivíduos e famílias, atrai sobre a sociedade o castigo de Deus."}

Nada além da abolição deste ateísmo legal, ou seja, a proclamação oficial dos direitos de Jesus Cristo sobre a sociedade, pode evitar a enxurrada de um novo dilúvio mais sangrento que o Primeiro Dilúvio.

Sua Santidade Pio XI, em sua admirável Encíclica "Ubi arcano Dei consilio", insistiu neste grave aviso de seu predecessor.

"Porquanto", escreveu ele, "quem ignora que na Escritura se diz que aqueles que abandonam o Senhor perecerão [Is 1, 28]? Nem é menos conhecida aquela sentença tão grave de Jesus Cristo, Redentor e Senhor dos homens: Sem mim, nada podereis fazer [Jo 15, 5]; e aquela outra: Quem não colhe comigo, desperdiça [Lc, 11, 23]”.

"Sentenças divinas verificadas em todos os tempos, mas realizadas agora com maior evidência aos olhos de todos. A humanidade afastou-se, por desgraça, de Deus e de Jesus Cristo. – Por isso veio a cair desde o estado anterior de felicidade nesse abismo de males".

Falando depois sobre o tão desejado remédio da paz: "Desta maneira, quando os Estados e governos considerarem como um dever sagrado e solene a submissão aos ensinamentos e preceitos de Jesus Cristo em sua vida política interior e exterior, então, e somente então, gozarão de paz interna... A consequência, portanto, é que a paz verdadeira, ou seja, a tão desejada paz de Cristo, não pode existir enquanto todos os homens não sigam fielmente os ensinamentos, preceitos e os exemplos de Cristo, tanto na vida pública como na vida privada; de forma que, estabelecida retamente a comunidade humana, possa a Igreja por fim, cumprindo sua divina missão, defender os direitos que Deus tem sobre a sociedade e sobre os indivíduos. Tal é aquilo que consiste e aquilo que, em uma palavra, chamamos de Reinado de Cristo." {Encíclica "Ubi arcano Dei consilio".}

E resumindo todos os seus pensamentos em um lema, uma vez que o novo Pontificado tinha percorrido o mundo todo, ele concluiu: "Desejando trabalhar da maneira mais eficaz no reestabelecimento da paz, gostaríamos de restaurar o Reinado de Cristo. – Não há paz de Cristo sem o Reinado de Cristo." (ibid.)

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Mas de todas as nações, há uma que sofreu mais com a guerra do que qualquer outra e que, mais do que qualquer outra, aspira ardorosamente à paz do mundo.

Essa nação é a França. Temos o testemunho preciso que atesta que a França reconheceu que sua impiedade social tinha sido para ela a principal causa de seu terrível flagelo. Desejando reparar o passado, com um impulso cavalheiresco que a caracteriza, ela se empenha em conceder a Jesus Cristo o lugar real que Ele deve ocupar na sociedade. A questão do Reinado Social de Cristo começa a se popularizar na França.

{É na França que a "Sociedade do Reinado Social de Jesus Cristo" foi fundada pelo Pe. [Victor] Drevon, S.J., que poderia ser definida como: Uma sociedade de piedade, estudo e ação destinada a reconhecer e promover o Reinado Social de Jesus Cristo.}

Em plena guerra, o emblema do Sagrado Coração, colocado por mãos piedosas em milhares de bandeiras e estandartes, já era uma proclamação desse Reinado. [Alguns costuraram a imagem do Sagrado Coração na bandeira azul, branca e vermelha, muitas vezes com as palavras "Coração de Jesus, Esperança e Salvação da França." –ed.] Desde então, nossos bispos, nossos padres, nossos publicistas frequentemente trataram desse assunto sério. 

{Veja "O Reinado Social do Sagrado Coração", de Mons. [Albert] Nègre e Georges de Noaillat, Tours, Mame; a Revista "Regnavit", as numerosas publicações da Sociedade do Reinado Social de J.C. (Paray-le-Monial), aquelas do Reinado do Sagrado Coração por meio de Maria Imaculada (Chinon), os panfletos e brochuras da Liga: Deus em Seu Lugar (Paris) e, acima de tudo, [as publicações] da Liga Apostólica das Nações, fundada pelo Pe. [Auguste] Philippe [C.SS.R].}

No Congresso Eucarístico de Lourdes e Paray, foram expressos votos pedindo por uma Festa mundial que afirmasse o Reinado Social de Jesus Cristo em todo o universo. Esse nobre zelo dos católicos franceses pela causa de Cristo Rei havia sido encorajado até por duas Santas da Pátria: Santa Joana d'Arc e Santa Margarida Maria; pois ambas foram apóstolas do Reinado Social de Cristo. Joana d'Arc, durante o tempo de Carlos VII, e Margarida Maria, na corte de Luís XIV.

{Cf. "Santa Joana d'Arc" por Mons. [Henri] Debout, I c.8, c.15, c.19. A proclamação do Reinado de Cristo tinha sido o objetivo principal da vida de Joana d'Arc. Sobre esse ponto, consulte Mons. Henri Delassus: A Missão Póstuma de Joana d'Arc e o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Admiramos esse traço da vida de Joana: Para provar ao rei que ele não é nada mais do que o tenente de Jesus Cristo, ela lhe fez essa demanda extraordinária: "Gentil rei, antes de descer à sepultura, me agradaria ter o seu palácio e o seu reino." – "Oh! Joana," respondeu Carlos VII, "meu palácio e meu reino são seus." – "Notário, escreva," disse a inspirada Donzela: "Em 21 de junho, às 16:00, no ano de Jesus Cristo de 1429, o Rei Carlos VII dá seu reino a Joana. – Escreva novamente: Joana, por sua vez, entrega a França a Jesus Cristo. – Nossos senhores, digam isso em voz alta, agora é Jesus Cristo quem fala: 'Eu, Senhor eterno, dou isso ao Rei Carlos'." – Este ato autêntico de importância capital na história da França seria a razão das vozes de Joana d'Arc; é chegando a esse ato, que pareceria estranho, que Orléans foi libertada, e que o reino, um momento à beira da aniquilação, foi consagrado novamente em Reims. O Pe. [Stephen] Coubé, que estudou profundamente a alma de Joana d'Arc, escreveu com considerável justiça: "O estabelecimento do Reinado de Cristo sobre a França, essa é a grande ideia e a profunda missão de Joana d'Arc. É sem a menor dúvida em minha mente que eu a prego inequivocamente. É absolutamente o seu programa, que ela permite com uma claridade luminosa e que ressalta todos os seus atos, bem como todas as suas palavras. Isso constitui o traço mais característico de sua mentalidade, impõe-se ao estudo do historiador e da psicologia, assim como ao do pensador religioso. Ouso dizer que aquele que não compreendeu isso, não entendeu nada da alma de nossa heroína. Esse também seria o programa de São Paulo, que faria Cristo reinar sobre o mundo inteiro: Oportet illum regnare [Ele deve reinar]."

"Esse seria o programa da grandiosa Idade Média Cristã, cuja Joana foi a última, a mais pura e a mais radiante flor. Seria o programa daquelas magníficas repúblicas italianas do século XIV, que não hesitaram em adotar lemas como este: Em Cristo, que é o primeiro cidadão e líder da República de Veneza." – Pe. Coubé, A Alma de Joana d'Arc: Joana d'Arc e o Reinado Social de Jesus Cristo.

O Reinado Social do Sagrado Coração havia sido o ponto culminante das revelações de Santa Margarida Maria. – Sobre a famosa questão de Sua mensagem a Luís XIV e por meio dele à França, consulte [Jean-Vincent] Bainvel: A Devoção ao Sagrado Coração: Doutrina, História, Paris, Bauchesne. – Veja também: "A Missão Atual de Santa Margarida Maria: o Sagrado Coração de Jesus, Remédio para o Laicismo Contemporâneo", pelo Cônego [Bernard] Gaudeau, Paris, 1922, Coleção: Deus em Seu Lugar, nº 1.

Dizemos, de antemão, que o reinado do Sagrado Coração é o mesmo que o reinado de Jesus Cristo. No entanto, a expressão "reinado social do Sagrado Coração" seria mais bem apresentada se considerarmos que o reinado de Jesus Cristo é um reinado de amor e que clama por amor.

Portanto, preferimos: Reinado social do Sagrado Coração. Isso é eminentemente profundo e teologicamente sólido. Se não usamos essa expressão neste estudo, é apenas porque o Cardeal Pie geralmente não a considerou em relação ao Sagrado Coração.}

Esse magnífico movimento que leva a elite da França Católica aos pés do Rei das nações está se acentuando cada vez mais, e assim a questão do Reinado de Cristo, embora permaneça totalmente uma questão essencialmente universal, torna-se, no entanto, a questão francesa par excellence.

De uma importância soberana para a paz do mundo e para a prosperidade da França, o Reinado Social de Cristo se impõe com uma relevância pungente. Essa relevância se manifestará cada vez mais. À medida que a questão do Reinado Social de Cristo se apresentar cada vez mais, será cada vez mais discutida; pois a batalha será travada entre os partidários declarados de Cristo e de Sua civilização, e os apoiadores da civilização pagã e atéia. A batalha não está em nenhum outro lugar senão aí, dizem-nos os perspicazes: "O mundo chegou a um ponto em que deve perecer ou renascer. Tudo entre os dois é esmagado pela destruição ou rejeitado com desdém pela reconstrução" {Louis Veuillot: A Ilusão Liberal}.

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Não é necessário agora explicar que uma questão tão crucial e atual deve ser estudada com cuidado.

Como ela é ignorada! É a questão mais desconsiderada por nossos contemporâneos. A própria elite intelectual parece não saber que existe uma doutrina social cristã, uma política cristã. É para ajudar a combater essa ignorância que empreendemos este modesto trabalho.

Ao compô-lo, tivemos em mente não apenas os fiéis que têm um zelo profundo pela grande causa de Cristo Rei, mas também os homens eruditos que buscam a verdade, especialmente aqueles que estão envolvidos na teologia.

Em seus manuais, a questão do Reinado de Cristo é abordada de maneira muito breve para que eles possam atribuir a ela a importância que ela merece.

Ajudados por este estudo, eles terão uma ideia mais precisa, mais completa e melhor compreensão da ampla abrangência social deste título de Rei que damos a Cristo e, tornando-se sacerdotes, serão ardentes apóstolos e cavaleiros irrepreensíveis do Rei Jesus.

Mas como proceder nesta questão? Como chegar com segurança às conclusões audaciosas que ela contém?

Devemos ter como guia um mestre aprovado pela Igreja, um doutor contemporâneo, que esteja completamente familiarizado com as perturbações sociais desses séculos recentes e que tenha tratado com precisão a questão que nos ocupa. Esse Mestre é o Cardeal Pie, Bispo de Poitiers.

O Cardeal Pie já desfruta na Igreja de toda a autoridade de um doutor. Os Papas o elogiaram – Pio IX lhe escreveu em 1875 por ocasião da publicação de suas obras: "Você não apenas sempre ensinou doutrina sólida, mas com o seu talento e eloquência, com os quais você se distingue, tocou com tanta fineza e certeza os pontos que seria necessário esclarecer, de acordo com a necessidade de cada dia, que para julgar bem as questões e saber adaptar a conduta, basta que todos tenham lido seus livros." {História do Cardeal Pie, por Monsenhor Baunard, 6ª Edição, vol. II, livro IV, cap. 8, p. 651.}

Em 1879, Leão XIII nomeou o Bispo de Poitiers como cardeal. Essa nomeação, tão próxima à publicação de suas obras, é uma aprovação implícita de sua doutrina.

[São] Pio X, em uma audiência no Seminário Francês, declarou ter "lido e relido muitas vezes as obras do Cardeal Pie." {Croix, Apêndice de 28 de setembro de 1915: "Cardeal Pie," C.L.}

{A seguir, isso é tratado pelo Cônego Vigué: Páginas Selecionadas do Cardeal Pie, 1, o que nos mostra o grande respeito de [São] Pio X pelo grande Bispo de Poitiers. "Um padre poitevino [nascido em Poitiers] nos relatou que um dia teve a honra de ser apresentado ao gabinete do Soberano Pontífice, [São] Pio X, na companhia de um religioso que também era originalmente poitevino. 'Oh! A diocese do Cardeal Pie,' exclamou o Santo Padre, levantando as mãos, ao ouvir o nome de Poitiers. 'Eu tenho quase todas as obras do seu Cardeal, e dificilmente passou um ano em que eu não tenha passado dias lendo algumas páginas delas.' Dizendo isso, ele pegou um dos volumes e o entregou aos visitantes. Estes puderam constatar pela simplicidade da encadernação que ela provavelmente pertencera ao pároco de Salzano ou ao diretor espiritual do seminário de Trévise muito antes de chegar ao Vaticano."}

E a primeira encíclica do Papa Santo reproduz em grande parte a primeira carta pastoral do Cardeal Pie à sua diocese em Poitiers.

{Compare a Encíclica "E supreme apostolatus cathedra" nos Atos de Sua Santidade S.S. Pio X (Bonne Presse), T. 1, 30-48, com a carta pastoral por ocasião da tomada de posse da diocese de Poitiers: I, 96-120. Os traços de semelhança são numerosos. Devemos apenas observar na Encíclica "E supremi apostolatus cathedra" onde lemos: "Sem dúvida, deve-se procurar escrutinar nossos pensamentos íntimos. Para cortar tentativas fúteis, afirmamos com toda a verdade que não desejamos ser... senão Ministros de Deus, cuja autoridade assumimos. É por isso que se alguém nos pedisse para examinar até as profundezas de nossa alma, responderíamos de nenhuma outra maneira senão esta: Restaurar todas as coisas em Cristo." p.35 [esta página se refere aos Atos de Sua Santidade S.S. Pio X]. Na carta pastoral [do Cardeal Pie], lemos: "Somos, seremos, para vocês, os homens de Deus. E se precisamos criar para nós mesmos uma expressão marcante, seria esta: 'Restaurar todas as coisas em Cristo, Instaurare Omnia in Christo.'" p.102 [das Obras acima citadas, vol. I. -ed.]}

Finalmente, [Pietro] Cardeal Gasparri, [Secretário do Papa Bento XV], escrevendo em nome de Bento XV, ao Cônego Vigué sobre sua publicação "Páginas Selecionadas do Cardeal Pie", falou sobre "o Bispo aparecendo no papel de um doutor, o que ele desempenhou com muita eloquência e autoridade; mostrando-se como um formidável adversário do naturalismo, do liberalismo e do que restava do insidioso galicanismo. Nunca a obrigação primordial incumbente a todos os homens de aderir à Revelação sobrenatural foi representada com mais clareza, contra as diversas formas de naturalismo, e nunca os direitos imprescritíveis de Deus e da Igreja na organização da sociedade foram defendidos contra o liberalismo com mais brilhantismo... A ação que o Cardeal Pie praticou em sua vida deve ser perpetuada no próprio seio do clero francês e na Igreja Universal." (Carta do Cardeal Gasparri ao Cônego Vigué, 21 de fevereiro de 1916. do Vaticano.)

Assim, temos um tributo dado pelos Soberanos Pontífices ao nosso guia sobre o assunto que estamos tratando.

Finalmente, [Pietro] Cardeal Gasparri, [Secretário do Papa Bento XV], escrevendo em nome de Bento XV, ao Cônego Vigué sobre sua publicação "Páginas Selecionadas do Cardeal Pie", falou sobre "o Bispo aparecendo no papel de um doutor, o que ele desempenhou com muita eloquência e autoridade; mostrando-se como um formidável adversário do naturalismo, do liberalismo e do que restava do insidioso galicanismo. Nunca a obrigação primordial incumbente a todos os homens de aderir à Revelação sobrenatural foi representada com mais clareza, contra as diversas formas de naturalismo, e nunca os direitos imprescritíveis de Deus e da Igreja na organização da sociedade foram defendidos contra o liberalismo com mais brilhantismo.... A ação que o Cardeal Pie praticou em sua vida deve ser perpetuada no próprio seio do clero francês e na Igreja Universal." (Carta do Cardeal Gasparri ao Cônego Vigué, – do Vaticano, 21 de fevereiro de 1916.}

Assim, temos um tributo dado pelos Soberanos Pontífices ao nosso guia sobre o assunto que estamos tratando.

{Ainda não mencionamos os elogios que não partiram diretamente da Santa Sé. A obra doutrinal do Cardeal Pie foi elogiada sem reservas por inúmeros cardeais e bispos, por religiosos eminentes. Apontamos aqui a magnífica homenagem do grande Bispo de Poitiers por Sua Eminência [Louis] Cardeal Billot: "A grande figura do Cardeal Pie," ele nos diz, "não perdeu nada de sua relevância atual; pelo contrário, e mais do que nunca, nessa batalha terrível que agora está travada entre a Igreja e a Revolução, ele é para nós o homem para a situação, uma luz, um estandarte, um líder digno classificado no primeiro escalão entre os pais de nossa geração, a quem devemos elogiar, cujos conselhos devemos seguir, imitando seus exemplos, refletindo sobre seus ensinamentos... Nós, portanto, na medida em que somos, em qualquer grau de hierarquia a que pertencemos, em qualquer capacidade, cargo ou função em que nos encontramos colocados, visto que apenas temos no coração a ambição de servir de acordo com a medida de nossos meios, a sagrada causa de Deus e da Santa Igreja nos tempos excepcionalmente turbulentos que estamos vivendo; todos nós, digo, não temos nada além de lucrar ao nos colocarmos na escola do mestre, o que, ao final do ano corrente, ocorrerá em memória de sua partida. Dele, na verdade, as luzes são utilizadas, informações preciosas são reunidas, conselhos são compreendidos, ensinamentos são inscritos em nossos planos! Que incentivos também podem ser recebidos no enfraquecimento e cansaço da batalha." – Elogio do Cardeal Pie por Sua Excelência Cardeal Billot.

Mencionamos também o julgamento dado por Dom Besse, O.S.B., sobre as obras do Cardeal Pie: "Os ensinamentos do Bispo de Poitiers são, no todo, o desenvolvimento de sua doutrina tocando o Reinado de Jesus Cristo por Sua graça sobre indivíduos e sobre os povos. Aqueles que lerem com uma inteligência sustentada suas obras pastorais desenvolveriam uma síntese filosófica e teológica de um mérito inestimável. Homens, padres e leigos, que desejam ter a chave dos eventos dos quais a hora presente é a mais triste testemunha, precisam apenas lê-las e relê-las novamente. Essas páginas parecem ter sido escritas há apenas alguns dias, tal é o seu alcance!" – Dom Besse: Cardeal Pie: sua vida, sua ação religiosa e social, pp. 113-114.

Finalmente, a introdução às Páginas Selecionadas do Cardeal Pie, pelo Cônego Vigué, constitui uma homenagem completa e uma motivação da doutrina do Cardeal.}

O Cardeal Pie é nosso contemporâneo. Tendo falecido em 1880, é verdade que ele não havia conhecido todas as nossas leis subsequentes do cristianismo social. No entanto, o Cardeal Billot observa que "o que aconteceu recentemente não foi senão uma evolução do estado de coisas que existia em sua época; não foi senão o desenvolvimento de princípios, das consequências e resultados dos quais ele havia previsto com uma percepção rara: o resultado de instituições, opiniões e doutrinas que ele não havia deixado de combater ao longo de toda a sua carreira" {Elogio do Cardeal Pie pelo Cardeal Billot}.

De fato, o Cardeal Pie tratou de nosso assunto, embora, é verdade, ele nunca tenha realizado um estudo ex professo sobre o reinado de Cristo. No entanto, qualquer leitor de suas obras facilmente reconheceria que o Reinado Social de Jesus Cristo era seu grande objetivo.

{A tese do Reinado Social de Jesus Cristo, devido às negações e erros contemporâneos, tornou-se a tese doutrinal da Igreja no século XIX, Obras, VIII, 145.}

Ele próprio, um ano antes de sua morte, ao receber o barrete cardinalício, falou ao presidente da República nestes termos: "Uma obrigação muito estrita recai sobre mim de empregar o restante de minha vida, o fervor final de minha alma, para inculcar sobre nossos contemporâneos a sentença apostólica que os trinta anos de meu ensinamento pastoral não foram senão a expressão, a saber: Que ninguém possa estabelecer outro fundamento além daquele que foi estabelecido pela mão de Deus, que é o Cristo Jesus.. E para os povos, assim como para os indivíduos, para as sociedades modernas assim como para as sociedades antigas, para as repúblicas assim como para as monarquias, não há outro nome sob o céu dado aos homens pelo qual possam ser salvos, senão o nome de Jesus Cristo." {Discurso ao Presidente da República, 26 de maio de 1879; Obras, X, 7, 8}

Outros também prestaram testemunho semelhante.

{Monsenhor Gay, sobre o assunto da questão do Reinado de Cristo, declarou: "Aí estava o grande campo de batalha do Bispo de Poitiers; ele não apenas entrou nele, ele armou sua tenda sobre ele, para nunca mais dele sair." – Oração fúnebre pelo Cardeal Pie, 37.}

O Reverendo Padre [Georges] Longhaye, ao anunciar os primeiros oito volumes de suas obras, escreveu uma espécie de epílogo: "O que ele uniu lá em seu trabalho episcopal, tão múltiplo e tão diverso em aparência... é o sobrenatural, é o direito de Jesus Cristo reinar socialmente, reivindicado por uma afirmação incessante, variada até o infinito em suas formas, assim como são as rebeliões que ele combate, sempre uno em sua fundação como a verdade que ele proclama.... Se alguém fosse fazer uma epígrafe para as obras do Cardeal de Poitiers, que escolha melhor poderia haver do que o grito apaixonado de São Paulo: 'Ele deve reinar, Oportet autem illum regnare'? Tudo está nesse pensamento. Isso o preocupava em 1844, o jovem e eloquente panegirista de Joana.

{"O patrimônio mais rico de nossa nação, a primeira de nossas glórias e a primeira de nossas necessidades sociais, é a nossa santa religião católica... Um francês não pode abdicar de sua fé sem repudiar todo o passado, sem sacrificar todo o futuro de seu país." – "Panegírico de Joana d'Arc", I, 3.}

"Isso inspirou em 1848 o grande Vigário de Chartres, invocando uma bênção fervorosa sobre uma árvore da liberdade.

{"Você sabe por que há mais de meio século vemos toda forma de governo perecer porque, sob essas formas, falta uma alma. Agora, se por acaso, por assim dizer, como um corpo com músculos, mas sem alma, é um cadáver, e é próprio de um cadáver se dissolver em breve. A alma de toda sociedade humana é a crença, é a doutrina, é a religião, é Deus. Ora, as sociedades modernas se divorciaram de Deus por tempo demais." "Discurso para a bênção de uma árvore da liberdade", I, 85.}

"O Bispo deve possuir uma ênfase mais responsável. Eu ousaria quase dizer que ele é o mais responsável de todos; pois em seu ensino, espalhado de acordo com o tempo e a necessidade, sem a intenção de se juntar a pregações solenes, sermões familiares dados pelo clero, debates com os ministros, o pensamento do Reinado Social de Jesus Cristo deve sempre ocorrer. Mesmo lá, onde não é visto diretamente, tem-se o sentido do fluxo das coisas, assim como um fogo que está se apagando emite calor e vida. Assim, a obra se torna uma só, e ao lançar sua palavra como o vento espalhando uma semente, o mestre fez um livro sem esperar e sem perceber." – (Pe. Longhaye, "Epílogo: Vinte e Cinco Anos do Episcopado" nas Obras Episcopais, VIII, 265-6.)

Consequentemente, Cardeal Pie ensinou o Reinado Social de Jesus Cristo e ousou fazê-lo diante da formidável oposição da sociedade contemporânea.

A Igreja, através das vozes oficiais de seus papas, o elogiou. Portanto, não poderíamos ter uma maneira melhor de prosseguir do que pedir a esse cavaleiro de Cristo os princípios de acordo com os quais nosso Rei deve reinar.

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Como devemos proceder neste trabalho?

Primeiramente, dispensamos certas fórmulas queridas por alguns modernos: não estamos elaborando uma história do pensamento, como se esse pensamento do Reinado tivesse evoluído apenas na mente do Cardeal Pie. Não, esse pensamento tinha para ele, desde o início, toda a força e precisão de um dogma.

{Mesmo quando instrutor do seminário em São Sulpício, o abade Pie escreveu uma dissertação sobre "Os Direitos e Deveres da Sociedade", na qual estabeleceu firmemente a responsabilidade do Estado em suprimir, interditar e proibir o erro religioso. Seu historiador observou que, por meio desse estudo, "ele entraria na verdade tratando sobre o Reinado Social de Jesus Cristo." História do Cardeal Pie por Monsenhor Baunard, vol. I, cap. II, p. 42. Falando do vicariato do abade Pie em Nossa Senhora de Chartres, o mesmo historiador nos faz saber que, a partir desse momento, o jovem vigário ficou entristecido ao reconhecer um desvio antigo na marcha da sociedade. "O Estado moderno apareceu a ele como um estado de apostasia, o estado de pecado mortal de uma sociedade separada consciente e voluntariamente de Jesus Cristo. É o naturalismo no lugar do cristianismo, o homem no lugar de Deus, o Estado acima da Igreja. Agora, as sociedades estão morrendo espiritualmente por causa desse mal enquanto aguardam morrer temporalmente." – op. cit., vol. I, cap. III, p. 81-82.}

Nós examinamos todas as obras do Cardeal Pie (obras sacerdotais e episcopais) para apresentar os pensamentos relevantes sobre o Reinado de Cristo. Agrupando seus pensamentos, esforçamo-nos para reunir, por assim dizer, numa única síntese todos os seus ensinamentos sobre esse assunto. Este modesto trabalho deve, portanto, ser um tratado coerente e lógico daquilo que está disperso nos doze volumes do Bispo de Poitiers.

{Dois volumes de Obras Sacerdotais e dez volumes de Obras Pastorais. Citamo-los das últimas edições. Também utilizamos A História do Cardeal Pie de Monsenhor Baunard, 6ª edição. Sobre o cuidado com que esta História foi composta e seu alto valor doutrinal, consulte Léon Mahieu, Vida de Monsenhor Baunard, pp. 328-339.}

É realmente a sua doutrina integral que estamos apresentando neste estudo, cujo único plano é nosso apenas em suas grandes divisões e na estrutura de cada uma delas.

Aqui está o plano. Ele é composto por quatro partes: 

1º Jesus Cristo é o Rei das nações. – As nações devem-lhe obediência.

2º As nações modernas se revoltaram contra ele. – Consequências de sua rebelião. 

3° Como restaurar esse Reinado social? Os Restauradores e seus deveres; o programa de restauração; as dificuldades; os Modelos de governo cristão.

4º O futuro do Reinado social de Cristo.

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Essa divisão, que parece direcionar as ideias, dará ao nosso trabalho uma forma um pouco seca e um tanto escolástica. O leitor nos perdoará à medida que ganha acuidade, em um assunto que é tratado de forma mais comum em formato do que didaticamente.

No entanto, embora a publicação deste trabalho possa ser suficiente para documentar com precisão, para aqueles que possuem as obras completas de Monsenhor Pie, de forma alguma pretendemos dispensar aqueles que possam lê-lo de um estudo direto e de uma leitura atenta das obras completas do grande Bispo.

{Ou, pelo menos, os dois volumes, "Páginas Selecionadas do Cardeal Pie", de autoria de Cônego Vigué. Nada essencial foi omitido nessas páginas. Gostaríamos de ver esses dois preciosos volumes nas mãos de todos os padres e de todos os leigos informados. Eles seriam para eles uma ferramenta de trabalho incomparável. A obra "A Vida Cristã Segundo o Cardeal Pie", publicada pelo abade [J.M.] Texier, também contém textos interessantes.}

Pelo contrário, não podemos recomendar com demasiado entusiasmo um plano regular de leitura. Isso servirá para suprir o que está faltando em nossa síntese e para completar o pensamento que nos esforçamos para destacar.

Também não acreditamos que o Cardeal Pie tenha esgotado o assunto ou nos tenha fornecido um tratado ao qual não possamos adicionar. Será rapidamente percebido, por exemplo, na primeira parte, que as provas bíblicas e patrísticas não são indicadas senão de forma resumida. É igualmente lamentável que não haja um estudo específico sobre a natureza íntima e o caráter pleno do amor a este Reinado.

No entanto, deve ser reconhecido: o Bispo de Poitiers proporcionou todas as grandes marcas de um vasto e magnífico edifício doutrinal sobre o Reinado de Cristo.

Toda a nossa ambição, assim como a nossa recompensa total, será demonstrar no Cardeal Pie o Doutor do Reinado social de Cristo e que ele é o líder que deve nos direcionar no bom combate por esta restauração social cristã.

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