O que é um conservador (1906), por G. K. Chesterton

The Daily News, 8 de setembro de 1906

 

            AO EXAMINAR os arquivos recentes deste jornal, percebo que omiti qualquer reconhecimento da carta muito generosa e interessante do Sr. Cunninghame Graham[1] a respeito de Charles Bradlaugh[2]. Depois de prestar uma homenagem ao cavalheirismo de caráter essencial de Bradlaugh, que acredito ter sido merecido, o Sr. Cunninghame Graham começou a dizer:

Além disso, parece-me que o Sr. Chesterton está errado quando ele (talvez eu não o compreenda completamente) permite que pareça pensar que o Sr. Bradlaugh se tornou um conservador. “Conservador” é um termo que é usado indiferentemente (como são “cristãos” e “agnósticos”) no elogio e no desprezo.

            Aplicado ao Sr. Bradlaugh, o termo “conservador” poderia ter apenas o último significado. Os tempos podem ter mudado e novos gritos de guerra podem ter surgido antes de sua morte; mas não consigo perceber que tenha retrocedido, embora possa ter parado no tempo.

            Possuo muita admiração pelo Sr. Cunninghame Graham para deixar completamente despercebida qualquer pergunta de sua parte sobre o que eu quis dizer. Entretanto, antes de dar uma palavra sobre o que quero dizer com “conservador” nestas linhas, permita-me admitir no início que “conservador” é uma palavra tola e miserável de se usar, exceto naqueles um ou dois casos raros e desesperados em que acontece de ser o único termo aproximado para um fenômeno peculiar.

Conservador é uma palavra fútil para ser aplicada a qualquer pessoa; palavras não exprimiriam seus significados para que as pessoas se definissem assim. A palavra “conservador” é tão ruim (ou quase tão ruim) quanto a palavra “progressista”. E é ruim pelo mesmo motivo. É ruim porque introduz um teste diferente do teste de certo e errado; do que queremos ou do que não queremos. Introduz o teste totalmente ocioso de se desejamos mudar as circunstâncias existentes ou se desejamos mantê-las; e isso, é claro, depende inteiramente de quais são essas circunstâncias. A questão de saber se acontece em algum momento particular que temos o que queremos não deve fazer nenhuma diferença para o nosso desejo. Um homem, digamos, é monarquista ou republicano, de acordo com a forma de governo que considera justa, feliz e humana. Um homem é conservador ou progressista conforme, em determinado momento, tenha de empregar o método da conservação ou o método da mudança. Um republicano sob uma monarquia é, portanto, um progressista; já um republicano sob uma república é, todavia, um conservador. Um monarquista sob uma família real é um conservador, mas um monarquista sob uma república é um progressista. Ele deseja progredir para algo que concebe ser melhor. Em suma, esses termos são, em sua maioria inúteis, pois não descrevem nossas opiniões, mas a mera postura do tempo e das circunstâncias em relação a essas opiniões. Se um homem é um socialista, depende dele mesmo; mas se ele é progressista, depende de outras pessoas.

            Onde quer que a batalha seja mais intensa, é lá que se encontrará o galante comandante. Onde quer que a confusão mental seja mais densa, é lá que se encontrará o Sr. Joseph Chamberlain[3]. Ninguém fez mais do que ele para substituir padrões políticos claros por uma vaga sensação de alteração e avanço; como se a mutabilidade na política fosse mais desejável do que a mutabilidade na amizade, ou a mutabilidade em qualquer outra coisa. Ele desenvolveu muitos argumentos extraordinários para seu esquema de reforma tarifária. Mas o mais persistente e difundido de seus argumentos em prol da Reforma Tarifária foi de que se trata, simplesmente, da Reforma Tarifária – isto é, de que é a alteração tarifária. Ele sempre nos pergunta com indignado espanto se vamos nos contentar com a política comercial de 60 anos atrás. No que diz respeito a isso, ele poderia muito bem perguntar se vamos tolerar os leões da Trafalgar Square[4] ou se não vamos derrubar o Museu Britânico. Ele é progressista em relação a tarifas e conservador em relação ao autogoverno; nós, pelo contrário, somos conservadores quanto a tarifas e progressistas quanto ao autogoverno; mas na verdade nenhum de nós é uma ou outra coisa.

            Acreditamos em um certo ideal de democracia direta: as pessoas simples e comuns devem governar a si mesmas; os pacíficos herdarão a terra[5]. O autogoverno não é um meio; é um fim. A democracia é correta não porque os homens são mais felizes quando são assim governados, mas porque os homens são mais felizes quando são assim governantes. O Sr. Chamberlain e sua escola, com sua conversa sobre “progresso”, “eficiência”, “métodos de negócios” e “acompanhamento dos tempos”, realmente querem dizer, no fundo, que um grupo de homens ricos ou capazes deve tomar as rédeas. Se seu ideal deve ser alcançado pela conservação aqui ou pelo progresso ali, não passa de um acidente. Quando o nobre comerciante tory está na Inglaterra, ele se autodenomina conservador; o que significa que ele deseja manter seu dinheiro. Quando o mesmo homem está na África do Sul, ele se autodenomina progressista, o que significa que ele quer mais dinheiro.

            Se eu desejasse encontrar uma antítese para o Sr. Chamberlain neste assunto; se eu desejasse encontrar um exemplo de um homem cuja visão das coisas fosse independente tanto do progresso quanto do que lhe é oposto, não sei se poderia encontrar um exemplo melhor do que o próprio Sr. Cunninghame Graham. Ele é um jacobita. Ele é um socialista com toda a trágica elegância de um cavalier[6]. Antes que a batalha comece, ele tem todo o cavalheirismo que pertence apenas aos vencidos. A derrota do socialismo ainda não chegou; mas ele já sobreviveu. Às vezes penso que o Sr. Cunninghame Graham parece levar esse sentimento a uma perfeição perversa; sentimos que ficaríamos muito desapontados se ele fosse bem-sucedido. Resumindo, embora não haja nenhuma mancha do mero progressista nele, pode-se dizer que às vezes havia um traço do mero reacionário. No geral, porém, ele é independente demais para ser qualquer destas coisas.

            Mas quando eu disse que Bradlaugh, em seus últimos anos, se tornou um conservador desnorteado, não quis dizer, como supõe o Sr. Cunninghame Graham, a frase em um sentido hostil. “Conservador”, na minha opinião, não é, de forma alguma, um termo político, pois não contém qualquer alusão a quaisquer instituições que devam ser conservadas. É antes um termo emocional ou temperamental descritivo de uma certa atitude que muitas vezes ocorre em homens de boa experiência. É bastante verdadeiro quando as pessoas dizem que um homem muitas vezes se torna conservador à medida que envelhece; mas isso não significa que ele se aproxime da Primrose League[7]. O que realmente significa é que ele se torna mais caridoso e imaginativo, e que vê cada vez mais o significado e a humanidade das instituições, mesmo das instituições que ele está preparado para destruir.

Quando somos jovens, o mundo inteiro está morto e desumano; não vemos nada além de nosso próprio ideal. À medida que envelhecemos, o mundo torna-se cada vez mais vivo, e cartolas e grades passam a ter formas simbólicas e significativas. Mas isso não tem nada a ver com o conservadorismo no sentido político. Eu mesmo (para usar um termo vil) fico mais conservador a cada dia; mas não fico menos radical. Pois uma das coisas que desejo conservar é o radicalismo: a velha simplicidade e violência popular cada vez mais submersa pelos sofismas e hipocrisias de nosso tempo.



[1] Robert Bontine Cunninghame Graham (1852-1936) foi um político, escritor, jornalista e aventureiro escocês. Foi parlamentar pelo Partido Liberal; o primeiro membro socialista do Parlamento do Reino Unido.

[2] Charles Bradlaugh (1833-1891) foi um ativista político britânico e ateu. Um dos mais famosos defensores do ateísmo no século XIX, Bradlaugh fundou a Sociedade Nacional Laica (National Secular Society), e foi membro do Parlamento do Reino Unido de 1880 até sua morte.

[3] Joseph Chamberlain (1836-1914) foi um político e estadista britânico que, a princípio, era um liberal radical, depois, um sindicalista liberal e, por fim, um imperialista da coalizão com os conservadores. Era o pai dos também políticos e estadistas britânicos Austen e Neville Chamberlain.

[4] Trafalgar Square, ou Praça de Trafalgar, é uma das principais praças de Londres cujo nome faz menção à Batalha de Trafalgar, ocorrida durante as Guerras Napoleônicas. Trata-se de uma homenagem póstuma ao Almirante Horatio Nelson, que comandou a esquadra britânica na derradeira batalha.

[5] Cf. Evangelho de São Mateus, cap. V, vers. 5.

[6] Termo derrogatório utilizado pelos defensores do parlamentarismo em referência aos partidários mais ricos dos reis Charles I e Charles II durante a Guerra Civil Inglesa, o Interregno e a Restauração Stuart. Indicava não a atitude cavalheiresca, mas a moda de corte em conjunto a uma atitude pseudocavalheiresca galante e arrogante de um fanfarrão autoritário, conforme a descrição shakespeariana.

[7] A Primrose League foi uma organização fundada em 1883 pelo Lorde Randolph Churchill e por John Gorst, cujo fim era a difusão de princípios e ideais conservadores na Grã-Bretanha.

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