Somos reacionários, por G. K. Chesterton

 


G. K.'s Weekly, 11 abr. 1925.

Em nossa última edição, Sir Henry Slesser[1] citou extensamente, dos debates da Câmara dos Comuns, uma crítica perfeitamente lúcida, lógica e sólida à política social que nós perseguimos. A crítica foi do Sr. Montague, um parlamentar trabalhista; e aparentemente o único membro trabalhista a manter o que muitos supõem ser toda a política trabalhista. Ele criticou a nossa concepção a partir do ponto de vista de um velho intelectual fabiano; que ao menos difere de muitos outros intelectuais, pois possui um intelecto. Esta crítica, sendo concernente com questões essenciais e fundamentais de políticas públicas, foi muito pouco noticiada na imprensa. Os jornais são, necessariamente, limitados em seus espaços; e nós, que somos iniciantes, seríamos os últimos a negar as dificuldades de se fazer uma página. E se os jornais tivessem de admitir em suas colunas qualquer discussão considerável sobre o que está para acontecer à Inglaterra, ou às classes trabalhadoras inglesas, descobririam ser impossível publicar a extensão da quinta reiteração da quarta empregada doméstica, no banco das testemunhas, de que ela nunca viu nada de especial no comportamento do Capitão Bingle sobre a Senhora Brown. Deveríamos nos levar ao contentamento com somente cinco fotografias de pessoas remando no verão ou esquiando no inverno.

Nós faremos o possível a fim de providenciar uma resposta adequada ao Sr. Montague, mas sentimos algum orgulho no fato de estarmos provavelmente entre uns poucos que darão a ele um relatório minimamente adequado. É necessário que tratemos aqui da acusação de que somos reacionários, e o que ela verdadeiramente significa. Como observou o nosso colaborador, é popularmente expressado na frase comum sobre atrasar o relógio. O cérebro fica atordoado ao pensar em quantas milhões de vezes nos disseram que não podemos atrasar o relógio. É estranho que as pessoas usem tantas vezes a mesma metáfora mecânica com o mesmo espírito mecânico sem que percebam uma só vez o que há de errado com ela. Parece, na verdade, que de alguma forma os seus relógios pararam. Se há uma coisa no mundo que nenhum homem são deveria associar à ideia de progresso ilimitado, é um relógio. Um relógio não bate doze horas e depois bate treze ou quatorze horas. Se um relógio realmente funcionasse segundo o princípio progressista ou evolutivo, deveríamos descobrir que eram cem e meia em cerca de uma semana. No que diz respeito ao significado dos sinais, que é o único valor de um relógio, a situação é completamente oposta. Não é preciso que se atrase o relógio, pois, nesse sentido, o relógio sempre se atrasa. Ele sempre retorna ao seu primeiro princípio e ao seu propósito principal; é nesse aspecto que, de qualquer forma, é realmente uma boa metáfora para um esquema social. O relógio que esqueceu completamente o significado de um e dois não teria valor; a comunidade que esqueceu completamente o significado da dignidade individual e da propriedade direta nunca as recuperará avançando cegamente para uma infinidade de números: ela deve retornar à realidade. Deve ser reacionária, se isso for reação.

Entretanto, se é uma reação, um grandíssimo número de outras coisas são reacionárias. Por exemplo, um sindicato foi e é extremamente reacionário. Na verdade, o sindicato já foi considerado reacionário na primeira vez em que apareceu, especialmente pelas pessoas que, naquele tempo, se consideravam as mais progressistas. Ele foi considerado como uma peça de sentimentalismo não científico e descontentamento ignorante pelos radicais[2] da revolução industrial. E assim foi, com base nos princípios então considerados científicos. Se a Escola de Manchester era progressista, o sindicato era reacionário. E a Escola de Manchester certamente se considerava progressista; e na verdade, todo mundo também a considerava assim; não somente era louvada como progressista, mas temida e denunciada como progressiva. Qual é, portanto, a utilidade do Sr. Montague atirando a palavra “reacionário” contra nós, quando o seu próprio avô poderia atirar a palavra “reacionário” nele? O sindicato reagiu quase automaticamente à tradição da guilda, porque o individualismo estava conduzindo indefinidamente à loucura; pois o relógio mecânico havia enlouquecido, e estava batendo um milhão. Nós reagimos à tradição do camponês porque o divórcio entre a propriedade e a personalidade tornou-se igualmente impossível; de modo que um homem nem sequer é um relógio, mas uma das peças de um relógio. Se podemos disputar com o Sr. Montague acerca do termo “reacionário”, podemos disputar com ele ainda mais sobre o termo “medieval”. Sobre isso, temos uma coisa muito simples a dizer. Se o Sr. Montague embarcará em um pequeno barco e navegar para longe de sua terra natal em qualquer direção (exceto o Polo Norte), ele provavelmente desembarcará em um país onde a pequena propriedade é uma realidade moderna viva, próspera e brilhante, em maior ou menor grau de acordo com as incursões da última moda “progressista” do industrialismo”. Se seguir à oeste e desembarcar na Irlanda, ele a encontrará. Se seguir à leste e desembarcar na Dinamarca, ele a encontrará. Se seguir a quase qualquer lugar, ele a encontrará muito mais plenamente desenvolvida do que a encontrará aqui. Em toda parte, sem dúvida, ela é modificada ou frustrada; poderia, sem dúvida, ser melhorada em toda parte; mas em todos os lugares do mundo é uma coisa do presente. Se alguma coisa no mundo é moderna, a pequena propriedade é moderna. Ele poderia muito bem dizer que a cunhagem decimal é medieval; pois quase todos os lugares que possuem moedas decimais possuem, em alguma medida, pequenas propriedades. Ele poderia muito bem dizer que Napoleão foi uma figura medieval; pois essa tendência seguiu em grande parte o Código Napoleônico. Na verdade, num sentido jurídico ou estritamente histórico, a implicação do Sr. Montague é totalmente incorreta.

De fato, a civilização medieval progredia no sentido da propriedade privada para todos, quando foi dividida em pedaços por aquele estranho terremoto, seja econômico ou teológico. Mas a civilização medieval começou com a ficção jurídica do feudalismo, segundo a qual a terra pertencia ao rei; isto é, para o Estado. Em outras palavras, a civilização medieval deu início à ficção do socialismo. É o Sr. Montague quem é medieval. É o Sr. Montague quem reage às primeiras ficções heráldicas da era feudal. Devolvemos-lhe o escudo brasonado com uma reverência. A Europa moderna, repleta de camponeses prosaicos e práticos, é suficientemente boa para nós. É claro que sabemos muito bem o que ele realmente quer dizer, quer saiba ou não, sobre sermos medievais. Ele quer dizer algo que possui muitos outros eufemismos. Ele quer dizer algo que sobreviveu ao medievalismo embora tenha criado o medievalismo, assim como sobreviveu ao feudalismo embora tenha mitigado o feudalismo, assim como sobreviveu à escravatura embora tenha dissolvido a escravatura. Sabemos o seu nome, se ele não o souber; e pedimos para informá-lo de que esta também é uma instituição extremamente moderna. Se ele navegar ao redor do mundo em seu barquinho, descobrirá o quão moderna é. Entretanto, ninguém espera que ele argumente sobre o pressuposto do cristianismo católico, e, portanto, é irrelevante tratar desta matéria aqui. Nós diremos apenas que, se ele se importar com uma sugestão sobre a natureza da coisa em seus variados efeitos, ele a encontrará na noção de vontade que está na raiz de toda liberdade. Porque essa filosofia favorece a associação voluntária, ela dá apoio a guildas e sindicatos; porque acredita numa província por vontade própria, favorece a propriedade. E ele achará este estudo mais filosófico do que brincar com um relógio e falar de política em termos cronológicos. Já é suficientemente mau quando ele se limita a chamar de reacionário hoje aquilo que ontem era progressista. Mas na verdade, ele está chamando de progressista hoje aquilo que ontem era reacionário. Encontraremos em outro lugar uma oportunidade para discutir mais detalhadamente as críticas práticas envolvidas no discurso mais interessante do Sr. Montague; aqui, estamos preocupados apenas com a censura específica da reação. Mas de maneira geral, podemos dizer o seguinte. A sociedade ideal do Sr. Montague é aquela em que nenhum homem jamais terá qualquer controle real; até mesmo sobre ele próprio. A vantagem do plano que ele rejeitou, o plano segundo o qual cada trabalhador numa fábrica poderia também ser um trabalhador independente na terra, é que cada homem teria algo em que se apoiar, e isso é fundamental. Suponhamos, por exemplo, que haja uma greve; presumivelmente, nesse caso, haverá um fundo de greve. Nós certamente nunca nos entregamos a queixas vulgares contra fundos de greve ou greves. Mas, afinal de contas, um fundo de greve deve estar nas mãos dos trabalhadores; assim como todo o dinheiro do Tesouro está nas mãos dos tesoureiros. Teoricamente, nós temos controle sobre o dinheiro do Tesouro. Na prática, os homens poderão vir a ter tão pouco controle sobre o fundo sindical como sobre o Tesouro. É claro que isto não afetará quem não quer que o povo governe; que defenderiam o sindicato contra os sindicalistas. Mas as pessoas que queremos governar são pessoas, e não gabinetes. Contra a coisa despótica chamada oferta, colocamos a coisa democrática chamada demanda.


CHESTERTON, G. K. Are we reactionary? G. K.'s Weekly, 11 abr. 1925.

Tradução por João Medeiros.




[1] Sir Herman Henry Slesser (1883-1979) foi um advogado e político inglês membro do Partido Trabalhista Britânico que serviu como Procurador-Adjunto e Lorde Juiz de Apelação. Contrário ao capitalismo não regulado e ao socialismo, Slesser ganhou notoriedade como um dos principais defensores do pensamento distributivista.

[2] O radicalismo, também conhecido como liberalismo radical ou radicalismo clássico, foi um movimento político e ideológico representante da ala esquerdista do liberalismo ao longo dos séculos XVIII e XIX, e um precursor do liberalismo social, da social-democracia, do libertarianismo civil e do progressismo moderno. Baseado em suas ideias, o grupo parlamentar e político livre Radicais foi presente na Grã-Bretanha e Irlanda de meados do século XIX, e ajudou a transformar os Whigs no Partido Liberal.

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